SENTENÇA
RELATÓRIO
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA ajuizou “ação civil pública c/c tutela de urgência” contra o MUNICÍPIO DE ANTONIO CARLOS/SC, ambos qualificados.
Alegou, em síntese, que, por meio do Inquérito Civil n. 06.2020.00001140-5, apurou-se a existência de irregularidades na aplicação de sanções disciplinares leves (advertência e suspensão até 30 dias) contra servidores do Município de Antônio Carlos/SC, já que as penalidades ocorrem sem o devido processo administrativo e/ou sindicância, ou seja, sem apuração apropriada dos fatos e sem propiciar o contraditório e ampla defesa.
Em razão de tal situação, formulou pedido de tutela de urgência, para que o ente público tomasse as seguintes providências:
6.2.1. SOMENTE APLICAR sanções disciplinares aos servidores públicos municipais, incluindo advertências e suspensões de até 30 (trinta) dias, após o devido processo administrativo disciplinar e/ou sindicância punitiva, apurando-se os fatos e garantido se o contraditório e ampla defesa;
6.2.2. DIVULGAR, pelos meios cabíveis, no prazo de 10 (dez) dias úteis, perante o corpo de servidores, secretários, supervisores, diretores, superiores, informações sobre a necessidade de instaurar procedimento administrativo e/ou sindicância para aplicação de sanções, conforme a gravidade da infração, sendo necessário propiciar o contraditório e a ampla defesa ao servidor investigado/acusado;
6.2.3. REVISAR e ANULAR, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias as sanções aplicadas sem processo administrativo e/ou sindicância punitiva a todos os servidores ativos, independente de requerimento formal dos servidores afetados com a referida prática, cientificando-os da revisão e anulação efetuadas;
Ao final, pugnou pela confirmação da medida antecipatória, além de:
6.8.1. Em relação ao subitem 6.2.3, estender os efeitos de REVISAR e ANULAR as sanções aplicadas sem processo administrativo e/ou sindicância punitiva a todos os servidores inativos, exonerados e/ou demitidos afetados com a referida prática, mediante procedimento administrativo próprio, após requerimento de interesse dos respectivos servidores;
6.8.2. Divulgar amplamente, no prazo de 10 (dez) dias úteis, perante todo o corpo de servidores, inclusive por meio de publicação no site do Município de Antônio Carlos na internet, os termos da condenação objeto da presente ação civil público, a fim de possibilitar aos servidores afetados acompanharem a revisão de suas fichas funcionais e comunicarem o Ministério Público em caso de descumprimento, por parte da
municipalidade, das obrigações fixadas em sentença; tudo sob pena de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a ser aplicada na pessoa do Senhor Prefeito, por descumprimento, sem prejuízos de outras medidas legais.
A tutela provisória foi concedida parcialmente (evento 8).
Devidamente citado, o réu apresentou tempestivamente resposta na forma de contestação (evento 15). Arguiu preliminar de ausência de interesse processual. No mérito, defendeu a regularidade de todos os procedimentos realizados administrativamente, uma vez que, segundo o contestante, existe observância da legislação municipal que disciplina o tema. Requereu a improcedência dos pleitos autorais.
Houve réplica (evento 18).
A decisão do evento 20 afastou a preliminar, saneou o processo e intimou as partes para especificação de provas.
O autor solicitou o julgamento antecipado do mérito e, subsidiariamente, a realização de audiência (evento 24), enquanto o requerido juntou documentos complementares (eventos 28, 38 e 45), sobre os quais o requerente se manifestou (eventos 33 e 50).
Vieram os autos conclusos.
FUNDAMENTAÇÃO
Tratando-se de matéria unicamente de direito, o feito comporta julgamento antecipado, na forma que preconiza o artigo 355 I, do Novo Código de Processo Civil. Não vislumbro, por outro lado, a necessidade de se produzir prova em audiência, porquanto a prova documental constantes dos autos é suficiente para o julgamento do processo.
A propósito, colhe-se da jurisprudência do TJSC:
Não configura cerceamento de defesa quando o magistrado, destinatário final da prova, verificando suficientemente instruído o processo e embasando-se em elementos de prova e fundamentação bastantes, ante os princípios da admissibilidade motivada da prova e do convencimento motivado, corolários do princípio da persuasão racional, entende desnecessária a dilação probatória e julga antecipadamente o mérito. Inteligência dos arts. 130, 131, 330 e 332 do CPC/1973; 355 e 369 a 372 do CPC/2015; e da principiologia processual. (TJSC, Apelação n. 0053073-52.2012.8.24.0023, da Capital, rel. Des. Henry Petry Junior, j. 06/06/2016).
A controvérsia estabelecida entre os litigantes diz respeito à efetiva regularidade da aplicação de sanções disciplinares leves aos servidores públicos vinculados ao Município de Antônio Carlos.
Sabe-se que a Lei Municipal n. 558/1992, de Antônio Carlos/SC, dispõe sobre o Estatuto dos Servidores Públicos e estabelece regras sobre o processo administrativo disciplinar, prevendo aplicações de penalidades, in verbis:
Artigo 124 – São penalidades disciplinares:
I. advertência;
II. suspensão;
III. demissão;
IV. cassação de aposentadoria ou disponibilidade;
V. destituição de cargo em comissão;
VI. destituição de função gratificada.
Artigo 125 – Na aplicação das penalidades serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais.
Artigo 126 – A advertência será aplicada por escrito, nos casos de violação e da proibição constante do artigo 112, incisos I a VIII, e inobservância de dever funcional previsto em lei, regulamentação ou norma interna, que não justifique imposição de penalidade mais grave.
Artigo 127 – A suspensão será aplicada em caso de reincidência das faltas punidas com advertência e de violação das demais proibições que não tipifiquem infração sujeita à penalidade de demissão, não podendo exceder de 90 (noventa) dias.
O artigo 140 do mesmo diploma legal, neste contexto, determina que “A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa”.
Entretanto, a documentação juntada aos autos indica que a lei municipal não está sendo observada pelos gestores locais.
Com efeito, a prova produzida no âmbito extrajudicial, por meio do Inquérito Civil n. 06.2020.00001140-5, demonstra a existência de fortes indícios de irregularidades na aplicação de sanções disciplinares contra servidores públicos municipais de Antônio Carlos/SC, sobretudo no que se refere a penalidades de advertência e de suspensão, as quais ocorrem, prima facie, sem prévia apuração por sindicância ou processo administrativo disciplinar.
É o que se depreende dos depoimentos realizados no referido inquérito civil, especificamente nas declarações de EMERSON ROBERTO SCHAPPO, que exerceu cargo de Secretário Municipal e confirmou ter aplicado penalidade de advertência sem procedimento prévio (Evento 3, ÁUDIO8, 4min25s), e de GERALDO PAULI (prefeito), que esclareceu que, havendo irregularidades funcionais, tenta-se primeiro conversar com o servidor e, persistindo a conduta, os próprios secretários aplicam diretamente as penalidades (Evento 3, ÁUDIO10, 4min34s e 5min57s). O secretário LEO GUESSER e o vice-prefeito ONÉLIO RICHARTZ prestaram informações no mesmo sentido (Evento 3, ÁUDIO12,
2min44s, e Evento 3, ÁUDIO14, 5min09s, respectivamente), o que reforça o entendimento de que existem indícios de irregularidades, conferindo verossimilhança às alegações autorais.
Embora tenha demonstrado o cumprimento da tutela provisória (eventos 15, 28, 38 e 45), o ente público municipal não se desincumbiu do ônus (art. 373, II, do Código de Processo Civil) de comprovar a observância da legislação municipal antes da concessão da medida antecipatória. Registra-se que se trata prova simples, eminentemente documental, cuja produção estava ao alcance do interessado.
Nesse contexto, os elementos presentes nos autos resultam na procedência dos pedidos realizados na petição inicial.
Por fim, é importante frisar, até mesmo diante da clareza da situação jurídica que se apresenta, que os demais argumentos apresentados nos autos não são capazes de, em tese, modificar a conclusão adotada por este julgador, razão pela qual é despiciendo o enfrentamento de cada item trazido ao feito. Afinal, “O julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão. A prescrição trazida pelo art. 489 do NCPC veio confirmar a jurisprudência já sedimentada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, sendo dever do julgador apenas enfrentar as questões capazes de infirmar a conclusão adotada na decisão recorrida (STJ, EDcl no MS 21.315/DF, rel. Min. Diva Malerbi [Desembargadora convocada TRF 3ª Região], j. em 08.06.2016).” (TJSC, Embargos de Declaração n. 0300109- 13.2015.8.24.0020, de Criciúma, rel. Des. Luiz Antônio Zanini Fornerolli, Quarta Câmara de Direito Público, j. 31-08-2017).
DISPOSITIVO
Ante o exposto, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial para:
A) confirmar a tutela de urgência concedida no evento 8;
B) determinar a revisão e anulação das sanções aplicadas sem processo administrativo e/ou sindicância punitiva a todos os servidores inativos, exonerados e/ou demitidos afetados com a referida prática, mediante procedimento administrativo próprio, após requerimento de interesse dos respectivos servidores;
C) determinar a divulgação, no prazo de 10 (dez) dias úteis contados do trânsito em julgado desta sentença, perante todo o corpo de servidores, inclusive por meio de publicação no site do Município de Antonio Carlos/SC na internet, os termos da condenação objeto da presente ação civil pública, a fim de possibilitar aos servidores afetados acompanharem a revisão de suas fichas funcionais e comunicarem o Ministério Público em caso de descumprimento, por parte da municipalidade, das obrigações fixadas em sentença, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais), até o limite de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
Inviável a condenação do requerido ao pagamento das custas processuais, por força da Lei Estadual n. 17.654/2018 (art. 7º, inciso I), de Santa Catarina.
Incabível a fixação de honorários advocatícios ao Ministério Público.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Após o trânsito em julgado, arquivem-se.
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